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Quem é quem? - Os papéis nas

experiências de Bullying e

Ciberbullying

O bullying e o ciberbullying têm sido objecto de grande interesse científico e nos últimos anos têm proliferado os estudos e propostas de intervenção na área.

O bullying caracteriza-se como as experiências de agressão que englobam determinadas características, nomeadamente: intencionalidade, ou seja, que o dano seja deliberadamente infligido; repetição e duração do comportamento, ou seja, que seja um acontecimento que ocorre diversas vezes e ao longo do tempo; e que haja um desequilíbrio de poder entre os intervenientes (agressor e vitima), o que implica que a existência de situações de agressão entre indivíduos com o mesmo poder físico não sejam englobados no grupo de comportamentos que consistem bullying (Olweus, 2003).

O Ciberbullying será uma agressão perpetrada através de meios de comunicação electrónica (Email, telemóvel, Messenger ou pela Internet, por exemplo) de forma deliberada (Ybarra & Mitchell, 2004).

O bullying e o ciberbullying, apesar de terem diversos aspectos comuns, apresentam também características distintas que os tornam fenómenos independentes, ainda que em frequente interdependência.

Os papéis adoptados pelos envolvidos em experiências de bullying/ciberbullying poderão ser essencialmente definidos como: vítimas, agressores, agressores/vítimas e espectadores; embora diversas denominações tenham sido utilizadas ao longo do tempo.

Uma parte substancial da investigação têm focado em particular o papel da vítima nas experiências de bullying/ciberbullying, e o modo como esta é afectada; no entanto têm sido também realizados estudos interessantes que analisam características e antecedentes dos agressores, assim como as consequências das experiências de bullying/ciberbullying nestes.

De particular realce nesta reflexão será o papel de agressor/vítima, esse grupo híbrido que engloba características tanto do grupo de vítimas quanto do grupo de agressores mas é na verdade distinto de ambos, e forma um grupo com características particulares. O grupo de espectadores, frequentemente negligenciado nos estudos da actualidade, merece igualmente uma reflexão mais aprofundada.

 



As Vitimas

 

Quem são as vítimas nas experiências de bullying? São jovens introvertidos, submissos, solitários; que apresentam maiores lacunas ao nível de auto-estima e sentimentos de auto-culpabilização, ou seja, que tendem a fazer atribuições internas quando ocorrem situações negativas (Bjorkqvist, Ekman & Lagerspetz, 1982; Lagerspetz, Bjorkqvist, Berts & King, 1982; Boulton & Smith, 1994; Olweus, 1994; Mynard & Joseph, 1997). São também aqueles que apresentam maior sintomatologia de internalização, incluindo ansiedade, depressão (Nansel Overpeck, Pilla, Ruan, Simons-Marton, & Scheidt, 2001); e sintomas psicossomáticos como dores de cabeça e dores abdominais (King, Wold, Tudor-Smith & Harel, 1996; Williams, Chambers, Logan & Robinson, 1996).

Está estabelecido na literatura que a vitimização influencia negativamente o bem-estar destes jovens, originando sintomatologias depressivas, ansiosas e psicossomáticas (Kaltiala-Heino, Rimpela, Rantanen, &  Rimpela, 2000; Kumpulainen, Rasanen, Henttonen, Almqvist, Kresanov, Linna, et al., 1998; Neary &  Joseph, 1994; Roland, 2002); perturbações no estabelecimento de relações sociais (Craig, 1998; Forero, McLellan, Rissel &  Baum, 1999) e no sucesso académico (Rigby, 1997; Zubrick, Silburn, Teoh, Carlton, Shepherd &  Lawrence, 1997), entre outras repercussões que se mantêm na idade adulta (Hugh-Jones &  Smith, 1999).

Nas experiências de ciberbullying, verifica-se maior probabilidade de ser cibervítima perante o aumento do tempo que os jovens passam na Internet (Vandebosch &  Van Cleemput, 2007), sendo possível depreender que características como personalidade introvertida e sintomatologias depressivas tendem a acompanhar um uso mais intenso da Internet o que leva a um incremento na probabilidade de ser vitimizado por meios de comunicação electrónicos. No entanto a vitimização tenderá igualmente a incrementar sintomatologias depressivas, ansiosas e outras características já focadas; pelo que estas características podem representar tanto uma causa quanto uma consequência do ciberbullying (Vandebosch &  Van Cleemput, 2007).

O sucesso escolar tem sido associado á vitimização no bullying tradicional (Ma, 2001), na medida em que as vitimas tem apresentado dificuldades de concentração e diminuição de interesse na escola (National Association of State Boards of Education, 2003, cit. por Li, 2007b).

De acordo com estes resultados do bullying tradicional, Li (2007b) analisou os efeitos do sucesso académico no ciberbullying, mas encontrou resultados pouco significativos.

A literatura sugere que existe maior prevalência de envolvidos do sexo masculino em situações de bullying, tanto como agressores (Hoover &  Olsen, 2001; Pellegrini &  Bartini, 2000; Kumpulainen, Rasanen, Henttonen &  Almqvist, 1998) quanto vitimas (Nabuzoka, 2003). Partindo destes dados referentes ao bullying tradicional, Li (2007b) colocou como hipótese de estudo que no ciberbullying a mesma tendência seria encontrada, contudo os seus resultados mostraram que o género não é preditor da vitimização em ciberbullying. Como justificação para estes resultados, Li (2007b) sugere que o facto da interacção no cyberespaço ter um carácter de anonimato poderá levar a que os indivíduos do sexo feminino disfarcem o seu género (Gopal, Mirana, Robichaux &  Bostrom, 1997; Li, 2006), concluindo assim que há uma igualdade de probabilidade de vitimização no cyberespaço entre géneros.

 


Agressores

 

Quem são os agressores nas experiências de bullying? São os jovens que apresentam mais comportamentos agressivos e que são fortes fisicamente (Ivarsson, Broberg; Arvidsson, Gillberg, 2005); que são populares e mantêm geralmente um grupo mais próximo que age de forma cúmplice nas práticas agressivas (Almeida, 1995, cit. por Pereira, 2002).

Ainda que frequentemente se associe o papel de agressor à baixa auto estima a investigação não suporta esta opinião, existindo antes uma forte relação entre auto estima alta e violência (Strom &  Strom, 2005).

Os agressores são jovens com maior tendência para cometerem actos delinquentes ou terem outros comportamentos socialmente inaceitáveis (Rigby &  Cox, 1996); envolvendo-se mais frequentemente em comportamentos de risco para a saúde, tais como fumar (King et al., 1996), beber álcool em excesso (Due, Holstein &  Jorgensen, 1999; King et al., 1996), e uso de substâncias (DeHaan, 1997).

No que se refere aos agressores em experiências de ciberbullying, estes são, segundo Campbell (2005), geralmente mais velhos que os agressores no bullying tradicional visto que o uso de tecnologias de comunicação aumenta com a idade, resultado corroborado pelo estudo de Ybarra e Mitchell (2004). Apresentam frequentemente insucesso escolar (Li, 2007b) e lacunas ao nível da supervisão parental (Ybarra &  Mitchell, 2004).

A pressão académica, ou seja, as expectativas dos professores e pares, tem sido associada á agressão no bullying em contexto escolar (Ma, 2001), na medida em que os jovens que são alvo de expectativas mais baixas têm mais tendência para o envolvimento como agressores no bulling tradicional. Li (2007b) ao analisar este aspecto relativamente ao ciberbullying, encontrou resultados pouco significativos, que justificou recorrendo á questão do anonimato que a interacção por meios electrónicos permite, o que facilitaria o envolvimento dos indivíduos independentemente de terem ou não sucesso académico.

Existem ainda níveis elevados de simultaneidade de papéis nos ciberagressores, tanto com outros papéis no bullying quanto no ciberbullying. Segundo Li (2007a) cerca de um terço dos agressores em bullying e 16.7% das vítimas são também ciberagressores; existindo ainda uma forte correlação entre os ciberagressores e o papel de cybervitimas, o que permite pressupor a existência de um grupo de ciberagressor/vitimas, à semelhança do grupo de vítimas/agressores.

Conclui-se que não apenas os agressores apresentam factores antecedentes de risco, como apresentam consequências negativas da participação em experiências de bullying e ciberbullying.

 


Agressor/Vitimas

Quem é então o agressor/vítima no bullying?

Importa antes de mais considerar a evolução da denominação deste grupo, que tem sido descrito por diversos autores, como Olweus (1978, 2001) que denominou estes indivíduos como vítimas provocativas. Outros termos têm sido utilizados por outros autores ao longo do tempo, tais como “vítimas agressivas“ (Schwartz, Proctor &  Chien., 2001, Unnevern, 2005).

Para Olweus (2001, Unnevern, 2005) as vítimas provocativas/agressivas representam cerca de 10 a 20% do total das vítimas. A literatura considera as vítimas agressivas como distintas dos bullies puros porque o seu comportamento de bullying é mais impulsivo e desorganizado do que o comportamento dos bullies (Haynie, Nansel, Eitel, Crump, Saylor, Yu &  Simons-Morton, 2001, Unnevern, 2005). Estes indivíduos também não têm o apoio social que os agressores puros têm, visto que são mais isolados do que os agressores (Salmivalli &  Nieminen, 2002, Unnevern, 2005).

Olweus (2001) afirma ainda que este tipo de vítimas provoca a vitimização e, quando provocados, estes indivíduos respondem com hostilidade exagerada.

Assim, os vítimas/agressores são jovens com sintomas de externalização, como a agressividade (Mynard &  Joseph, 1997), comportamento explosivo (Schwartz et al., 2000, in Dautenhahn &  Woods, 2003) e comportamentos delinquentes; mas também de internalização (Kaltiala-Heino, Rimpela, Rantanen &  Rimpela, 2000), como a depressão, perturbações auto-destrutivas e de identidade e tendências suicidas (Mynard &  Joseph, 1997). São então jovens que manifestam características anti-sociais como os agressores e perturbações emocionais e sociais similares às vítimas (Glover, Gough, Johnson, &  Cartwright, 2000; Nansel, Overpeck, Pilla, Ruan, Simons-Marton &  Scheidt, 2001), conjugando assim características de ambos os grupos.

Alguns dados contraditórios têm sido encontrados sobre os agressores/vitimas, sobre os factores de risco antecedentes e sobre as consequências do seu envolvimento nas experiências de bullying, e muito se têm debatido sobre se a literatura deverá considerá-los como um grupo distinto ou apenas um tipo de vítimas diferente.

Será a transição de vítima a agressor/vitima um processo de adaptação? De facto, pode considerar-se que, apesar de consistir um comportamento inadequado, este pode ser manifestação de uma reacção, e poderá sugerir que o individuo possui um grau de resiliência que o impele a reagir, ainda que agressivamente, e que tenta compensar o sofrimento e a humilhação da vitimização ao agredir pares mais fracos (Ma, 2001).

 


Espectadores

 

Por fim, existem estudos que apontam para a existência de repercussões negativas nos espectadores de situações de bullying, embora outros não tenham encontrado quaisquer resultados significativos. Assim, Shahinfar, Kupersmidt &  Matza (2001), por exemplo, verificaram que os adolescentes com agressividade saliente são frequentemente vítimas ou espectadores; levando os autores a concluir que ser-se testemunha da violência está relacionado com processos de informações sociais que potenciam a avaliação da agressividade como uma forma adequada de responder aos problemas sociais.

Ainda que o grupo de “espectadores” ou “não envolvidos” geralmente sejam considerados de forma unidimensional, sugerimos que é fundamental considerar as atitudes distintas destes indivíduos, podendo distinguir desse modo três subgrupos: o espectador não envolvido que será aquele que sabe que está a ocorrer uma situação de bullying mas não tem qualquer envolvimento, nem positivo (por exemplo informar uma autoridade) nem negativo (incitar ou observar o bullying); e o espectador envolvido que poderá ainda ser analisado em duas perspectivas: aquele que se envolve de forma positiva (agindo de modo a ajudar a vitima e terminar a situação) ou negativa (incitando, ou observando).

Só tomando em consideração estes tipos diferentes de caminhos podemos compreender as características do espectador e as consequências que presenciar uma situação de bullying poderá originar.

É preciso por isso aprofundar ainda mais a investigação no tema e focar estes subtipos de papéis nas experiências de bullying e ciberbullying distintamente, para melhor compreender um fenómeno que foi durante muitos anos descartado como um simples ritual de passagem, mas que na verdade é muito mais complexo e merecedor não apenas da atenção científica de que tem sido alvo, como de uma intervenção eficaz e multidisciplinar.

 

 

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