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Livro publicado em 2014 com os trabalhos premiados no XVI Concurso Literário Manuel Maria Barbosa du Bocage, incluindo o meu conto "Eu e tu nesta cama" vencedor do prémio na modalidade Conto.

Sob o pseudónimo "Mariana Algarvia" fui a vencedora da modalidade Conto, com um texto intitulado "Eu e tu nesta cama", uma história intimista sobre a espera e a esperança que escrevi do modo que melhor sei: com o coração na ponta dos dedos. 

Sinto-me honrada pela escolha unânime em premiar o meu conto, e em particular com as palavras do júri e autor João Reis Ribeiro, que na cerimónia de entrega dos prémios descreveu o meu conto como: 

 

"O que mais impressionou o júri foi a tónica da mensagem, repleta de esperança, e a qualidade da narrativa, assente numa fórmula de onde não estão arredias características do registo autobiográfico, seja pela própria modalidade escolhida para o texto, a do registo dos sentimentos do “eu” narrador, seja pela sobreposição de indicadores cometidos à narradora que foram vividos pela autora.

“Eu e tu nesta cama” é uma longa carta dirigida a um filho que está para nascer, escrita durante um processo de gravidez periclitante, em que o próprio registo narrativo pretende ser a afirmação de uma convicção de que tudo tem de correr bem, de que a criança terá de nascer e de que esta missiva, este conto, só fará sentido se encontrar o seu destinatário.

Trata-se de um texto fortemente marcado pelos deícticos de lugar, de tempo e de pessoa, acentuando a proximidade entre a mãe que espera o nascimento do filho, num estado de repouso e cuidado absoluto, tempo aproveitado para ser contada a história da gravidez e da vida, num processo de analepse que, simultaneamente, vai servindo para justificar decisões e para expor leituras do mundo.

Apesar de o mais importante deste conto ser essa ocupação da espera com o contar da vida a uma criança que possivelmente virá a nascer, outras linhas de leitura se podem seguir, tais como: a descoberta do outro num mundo estranho, as mudanças decorrentes de uma decisão de emigrar, a afirmação da identidade, o afecto à vida, a força da comunicação, a construção das cumplicidades num casal, as diferentes reacções ao mundo e à vida de acordo com o género, a dureza escondida pelo poder de certas metáforas.

Entre o início e a conclusão do conto corre uma distância emocional enorme, num processo de recuo que só pode encontrar justificação na construção dos alicerces de esperança e de coragem. No início, em curto parágrafo, é indicada a situação do presente da narradora, que vai explicar e condicionar todo o desenrolar da história: “Aqui estamos nós, presos a esta cama, presos um ao outro. Esta cama é o meu mundo agora, e tu estás aqui comigo, protegido dentro do meu corpo que teima em querer expulsar-te. Estamos os dois aqui a lutar com a mesma ferocidade para que venhas ao mundo.” O termo da narrativa aponta o caminho da esperança, ainda que numa retrospectiva levada até ao momento de felicidade em que a narradora se soube a gerar um ser: “Menos de três meses depois soube que estavas a crescer aqui dentro, e tudo pareceu tão fácil, tão certo, que não duvidei por um minuto que serias o meu maior milagre.”

Lê-se este conto e não se pode ficar insensível, seja devido à aprendizagem que nos é revelada – a de se começar a ser mãe ou pai, bem como a da dor surgida perante a iminência de um sonho se desfazer –, seja devido à energia jorrante de esperança que alimenta todo o monólogo. Lê-se este conto e não se pode ficar alheio ao facto de a decisão mais importante ter sempre uma relação com a vida, tal como a escrita que a regista, mesmo que os percursos e as visões sejam únicos e só existam no saber e na memória do eu que se expõe."

 

 

Agradeço as palavras e a consideração pelo meu trabalho, e deixo-vos aqui com um excerto do conto premiado: 

 

"Aqui estamos nós, presos a esta cama, presos um ao outro. Esta cama é o meu mundo agora, e tu estás aqui comigo, protegido dentro do meu corpo que teima em querer expulsar-te. Estamos os dois aqui a lutar com a mesma ferocidade para que venhas ao mundo.[...]

Este quarto é o nosso mundo, e será o nosso mundo até poderes sair daí de dentro, onde te estás a agarrar a mim com unhas e dentes, sem perceber porque é que o meu corpo te quer expulsar. Meu filho, perdoa-me porque também não sei o porquê desta loucura. Perdoa-me porque a minha mente não foi forte o suficiente para te manter seguro e protegido, e agora temos tanto medo. "

 

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